Nas últimas semanas, um debate tomou conta da comunidade acadêmica e de formuladores de políticas econômicas em todo o mundo. A divulgação de erros metodológicos e de uma falha de codificação em um trabalho dos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, que não passaria de uma ocorrência corriqueira no mundo acadêmico, ganhou ampla cobertura pela mídia noticiosa e pelos blogs de economia e política.
Em 2010, os dois professores de Harvard publicaram um curto estudo sobre a relação entre crescimento economico e dívida pública. Rogoff e Reinhart (RR), resumidamente, alegavam que a dívida pública começava a ter efeito negativo sobre o crescimento econômico ao atingir o patamar de 90% do PIB. Posteriormente, esse trabalho também foi publicado num dos mais prestigiosos periódicos científicos da área econômica, a American Economic Review.
Um aluno de doutorado, Thomas Herndon, e dois professores da Universidade de de Massachusetts, Michael Ash e Robert Pollin, mostraram que o estudo de RR tinha erros básicos como problemas nas planilhas de Excel. Mais especificamente, o paper dos pesquisadores da Universidade de Massachusetts aponta três erros principais que colocam em suspensão os achados de RR.
Em terceiro lugar, RR aparentemente cometeram um erro primário nas análises das planilhas de Excel, o que os levou a uma exclusão equivocada de cinco países da série histórica. Nas palavras de HAP "A coding error in the RR working spreadsheet entirely excludes five countries, Australia, Austria, Belgium, Canada, and Denmark, from the analysis. Reinhart-Rogoff averaged cells in lines 30 to 44 instead of lines 30 to 49...This spreadsheet error...is responsible for a -0.3 percentage-point error in RR's published average real GDP growth in the highest public debt/GDP category." A exclusão da Bélgica, em particular, que experimentou 26 anos de dívida acima dos 90% do PIB, e uma taxa de crescimento de 2,6% em média para o período (embora esses 26 anos de crescimento fossem contados como apenas um ponto, dada a regra de atribuição de pesos comentada acima) parece favorecer o argumento de RR.
Feitas as correções, os países com mais de 90% do PIB de endividamento apresentam crescimento médio de 2,2%, e não de uma queda de 0,1% como afirmavam RR. O que, efetivamente, enfraquece muito as conclusões de RR.
Finalmente, cabem duas observações. (1) Erros de codificação acontecem; e (2) controvérsias são fundamentais para o avanço da conhecimento científico. Assim, a revelação de erros metodológicos e de um equivoco de codificação em um estudo econométrico não deveria passar de um acontecimento trivial no mundo acadêmico. Contudo, o que causa estranheza nesse caso é a falta de transparência, que não estava permitindo que outros pesquisadores pudessem replicar e analisar os resultados de RR. Se os dados e o código tivessem sido disponibilizados após a publicação, em 2010, possivelmente não levaria três anos para demonstrar as falhas metodológicas do estudo de RR, o que pode ter influenciado as política econômicas em todo o mundo em direção a medidas de contração orçamentária mais rigorosas.
O compartilhamento de dados de pesquisa significa a possibilidade de replicar, analisar e discutir - assegurando o escrutínio - dos resultados da investigação por outros pesquisadores. Nesse sentido, uma política clara e rigorosa de compartilhamento de dados e códigos de pesquisa deveria ser adotadas por todos os periódicos científicos de maneira a assegurar a replicabilidade e validade das pesquisas publicadas.
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