No dia 04/03/2017 celebramos o Dia Internacional dos Dados Abertos (Open Data Day) que ocorreu, pela sétima vez, concomitantemente em diversos países mundo afora.
É sempre uma oportunidade de divulgar o que são e mostrar os benefícios dos dados abertos (open data). Este ano, haviam quatro trilhas nas quais os eventos poderiam se focar: ciência aberta, monitoramento de fluxos de dinheiro público, meio ambiente e direitos humanos.
Numa iniciativa conjunta entre PoliGNU, PoliGen, MariaLab e Transparência Hacker, dentro da trilha de direitos humanos, decidimos discutir a participação das mulheres no desenvolvimento de políticas púbilcas a partir de dados abertos.
Contamos com suporte financeiro da Open Knowledge International, em conjunto com Artigo 19, SPARC, Open Contracting Program of Hivos e Foreign Commonwealth Office.
O processo deste Open Data Day foi documentado neste pad, e contou com 4 etapas:
1) Apresentações e explanações
2) Mapeamento de inciativas Open Data
3) Mapeamento de iniciativas ligadas às lutas das mulheres
4) Trabalho dos grupos sobre análise de dados e geração de visualizações
1ª Etapa - Apresentações e explanações
Para que as pessoas pudessem se conhecer, cada uma se apresentou brevemente e foi possível perceber a diversidade do público com que o evento contou: engenheiros(as), desenvolvedores, consultora de negócios, designer, assistente social, professora, jornalistas, estudantes e pesquisadores(as).
Entre os presentes havia quem colaborou para a formulação da Lei de Acesso à Informação (LAI), então, discutiu-se um pouco como nasceu essa lei, seus propósitos e suas atuais limitações.
Foi feita uma apresentação inicial sobre o que são Dados Abertos , com ênfase nos oito princípios:
Completos - Devem ser disponibilizados todos os dados públicos* (dados são informações eletronicamente gravadas, incluindo, mas não se limitando a, documentos, bancos de dados, transcrições e gravações audiovisuais).
Primários - Os dados são publicados na forma coletada na fonte, com a mais fina granularidade possível, e não de forma agregada ou transformada.
Atuais - Os dados são disponibilizados o quão rapidamente seja necessário para preservar o seu valor.
Acessíveis - Os dados são disponibilizados para o público mais amplo possível e para os propósitos mais variados possíveis.
Processáveis por máquina - Os dados são razoavelmente estruturados para possibilitar o seu processamento automatizado.
Acesso não discriminatório - Os dados estão disponíveis a todos, sem que seja necessária identificação ou registro.
Formatos não proprietários - Os dados estão disponíveis em um formato sobre o qual nenhum ente tenha controle exclusivo.
Livres de licenças - Os dados não estão sujeitos a regulações de direitos autorais, marcas, patentes ou segredo industrial. Restrições razoáveis de privacidade, segurança e controle de acesso podem ser permitidas na forma regulada por estatutos.
*Dados públicos são dados que não estão sujeitos a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso, reguladas por estatutos.
2ª Etapa - Mapeamento de inciativas que usam Open Data
Num primeiro momento de brainstorm, todos(as) participantes escreveram em post-its as soluções que conhecem que acham que utilizam Open Data, de forma que torne esses dados em informação útil para cidadãs e cidadãos. Foram mapeadas as seguintes iniciativas:
Macro-política: O Vigie Aqui e o Ranking dos Políticos buscam classificar os políticos de alguma forma. O Radar Parlamentar usa análise multivariada para gerar visualizações de votações das casas legislativas. A Operação Serenata de Amor visa usar inteligência artificial para o controle social da administração pública.
Política local: o Observatório de Informações Municipais reúne algumas informações publicadas por órgãos oficiais e também alguns estudos, o Meu Município possibilita explorar dados orçamentários dos municípios, o Monitorando a Cidade é uma plataforma que auxilia a sociedade civil a monitorar compromissos do poder público (fonte dos dados nem sempre são dados abertos); o De Olho nas Metas georreferencia as metas para o município de São Paulo; o Colab.re se propõe a fazer uma ponte de comunicação entre cidadãs e cidadãos que reportam problemas e o poder publico local; e o Cuidando do meu bairro georreferencia dados orçamentários para o município de São Paulo.
Serviços: o Diário Livre é um site experimental desenvolvido para possibilitar uma nova forma de acessar os artigos do Diário Oficial do município de São Paulo; o Cruzalinhas visa informar quais linhas de ônibus, trem ou metrô passam perto de um lugar em São Paulo e, a partir da discussão sobre Open Access DOI, chegou-se na iniciativa do Open Access Journals, que indexa e fornece acesso a revistas científicas.
Mídia: o Estadão Dados é um núcleo do Estadão especializado em reportagens baseadas em estatísticas e no desenvolvimento de projetos especiais de visualização de dados e o Gênero e Número se propõe a ser uma plataforma que aborda questões de gênero a partir de dados. Ambos meios de comunicação bebem muito de dados abertos em suas reportagens e visualizações.
3ª Etapa - Mapeamento de iniciativas ligadas a lutas, reivindicações e demandas das mulheres
Num segundo momento brainstorm, todos(as) participantes escreveram em post-its as iniciativas ligadas a lutas, reivindicações e demandas das mulheres, baseadas na internet ou não, que utilizem Open Data ou não. Foram mapeadas as seguintes iniciativas:
Empoderamento pelo empreendedorismo: Movimento Mulher 360, que visa fomentar o empoderamento econômico da mulher através da sistematização e da difusão de avanços nas políticas e nas práticas empresariais; o Impulso Beta tem como missão Contribuir para que as mulheres atinjam seus objetivos profissionais e potencializar o crescimento dos negócios por meio do talento feminino; a Rede Mulher Empreendedora tem como propósito é empoderar empreendedoras garantindo independência financeira e de decisão sobre seus negócios e suas vidas; as Mulheres do Café, que, além de proporcionar nossas barrigas abastecidas durante todo o evento, promove um negócio inclusivo que oferece acesso e oportunidade de desenvolvimento, autonomia e geração de renda distribuída para mulheres no setor da culinária. Além dessas iniciativas, também se falou de iniciativas de coletivos / cooperativas de mães que são criados para que as crianças pequenas tenham onde e com quem ficar dado que o direito à Educação Infantil muitas vezes não é assegurado pelo Estado.
Empoderamento pela tecnologia: várias iniciativas como RodAda Hacker, PrograMaria, #MinasProgramam, Techinovation Challenge buscam desmitificar a tecnologia e a programação para mulheres, porque elas são socialmente afastadas desses campos de conhecimentos, cada vez mais presentes, importantes e lucrativos. Também há grupos como MariaLab HackerSpace e PoliGen que vão além da tecnologia/programação para mulheres, chegando nas discussões mais estruturais e/ou mais sensíveis como segurança e privacidade na rede, tema frequente do Espaço Ada da CryptoRave.
Visualizações: há iniciativas crowdsourced como MaMu que mapeia coletivos de mulheres e Chega de Fiu Fiu que mapeia assédio de rua, e também outras que usam Dados Abertos como o Radar Parlamentar - gênero e o Retrato da Violência.
Campanhas: Vamos Juntas expõe a importância das mulheres irem e estarem juntas, Somos 6% que incentiva mulheres a andarem de bicicleta e o #likeagirl que nos faz pensar quando é que a adjetivação "como mulher" passa a ser pejorativa. Outra campanha citada foi um projeto de lei que tramita na Câmara de Vereadores de São Paulo que dispõe sobre a obrigatoriedade de afixação, no âmbito do Município de São Paulo, de avisos com o número do Disque Denúncia da Violência Contra a Mulher (Disque 180).
Aplicativos: Circle of 6, permite que em 2 toques seu círculo de seis pessoas, previamente cadastradas, saiba onde você está e como eles podem ajudar; já o HelpMe é um aplicativo para denuncias de abusos sexual e outros problemas, que acontecem diariamente dentro dos metrôs e trens de São Paulo.
4ª Etapa - Trabalho dos grupos sobre análise de dados e geração de visualizações
Formaram-se dois grupos de interesses complementares: um que queria abordar a inequidade de gênero a partir de um viés econômico, e outro, que queria investigar um pouco melhor a baixa representatividade feminina nos cargos públicos eletivos.
O grupo que trabalhou com o foco na política, buscou dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral, referente às eleições de 2016 (disponível aqui). O grupo gastou um tempo considerável baixando e limpando a base.
Mas mesmo assim, conseguiram chegar em estatísticas interessantes como o gasto médio de ~R$16 mil por candidato e ~R$6 mil por candidatada. Embora todos partidos e estados tenham cumprido a cota de 30% no número de candidaturas de mulheres, basta olharmos o quanto foi investido nas campanhas delas e ver que a esmagadora maioria fica abaixo dos 30% - chegando a 6,2% dos recursos no caso da corrida às prefeituras do estado do Rio de Janeiro.
Foram geradas tabelas, gráficos e mapas no Infogr.am e o código utilizados para os cálculos está disponíveis no GitHub do PoliGNU.
Com essa disparidade na representatividade feminina, fica bastante evidente a poder das decisões está em mãos masculinas - e nem chegamos a interseccionar o dado de sexo com raça ou idade, mas deixamos o palpite de serem mãos brancas e nada jovens. Como é possível assegurar os direitos humanos de uma sociedade diversa, se as decisões são tomadas por um grupo tão homogêneo? Essa reflexão e outras mais ficaram de provocação e ainda aguardam outro hackday para aprofundar nos dados.
O grupo que trabalhou com o foco na economia, buscou dados abertos sobre rendimentos, população ocupada, desocupada, economicamente ativa, em idade ativa e quem é microempreendedor(a) individual (MEI) no site IBGE (disponível aqui). O grupo precisou redefinir sua pergunta algumas vezes porque os dados tal qual o IBGE disponibiliza na maior parte dos links, estão agregados. Já os microdados, que apesar de contarem com layout e dicionário de dados, não são de fácil entendimento e acabaram não sendo utilizados. Duas informações interessantes que merecem ser ressaltadas: as taxas de crescimento da PEA e a natureza das MEIs. As taxas de crescimento da PEA feminina (~40%) são superiores à da masculina (~20%). Um fato (não-surpreendente) é a natureza das MEIs: dentre as femininas, predominam (i) cabeleireiras, (ii) comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios e (iii) outras atividades de tratamento de beleza; dentre as masculinas predominam (i) obras de alvenaria; (ii) comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios e (iii) instalação e manutenção elétrica. Isso é bastante revelador sobre uma existente divisão sexual do trabalho.
Caso isso acontecesse apenas por vocação, não seria um problema. Entretanto, essa divisão significa que existem barreiras à entrada das mulheres em determinados segmentos, segmentos muitas vezes que proporcionam melhores remunerações do que aqueles que contam com maioria feminina.
Foram gerados gráficos no Infogr.am e os dados utilizados para os gráficos estão disponíveis aqui.
Enfim, o saldo foi muito positivo, várias das pessoas que participaram nunca tinham feito parte de um Hackday e gostaram da atividade. Já saiu até planos para um próximo Hackday em breve ;-)
Agradecemos a todas pessoas que estiveram presentes!
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